Aquele tinha sido um dia ruim e lá estava eu olhando pela janela do trem, algumas lágrimas rolando, profundamente triste, quando um homem sentou do meu lado. Torci para que me deixasse em paz.
O trem estava uma bagunça, cheio de gente falando alto, se esbarrando, ouvindo música sem fone. De repete para completar aquele cenário, entra um vendedor de algodão doce atrapalhando a passagem de todo mundo. Mais que depressa ele se juntou ao coro de barulhos, oferecendo a plenos pulmões os saquinhos coloridos por apenas 1 real.
Nesse momento ouço uma voz do meu lado, era o homem:
- Um dia...
'Não acredito', pensei. Não poderia estar menos disposta a falar, então permaneci imóvel olhando pra frente, mas ele continuou:
- Fui com João, meu filho pequeno, numa loja e estavam dando algodão doce na porta. Mas eu estava com muita pressa, atrasado para o trabalho, então disse que não dava tempo de pegar algodão doce e levei ele para fora de lá.
Continuei quieta, mas estava ouvindo.
- Deixei ele na escola, fui trabalhar, voltei para casa. Ele tava tristinho mas tava bem. No outro dia eu estava no trabalho quando me ligaram, "João tá passando mal, vem buscar", ele ardia em febre. Ficou assim uns dois dias, nada de melhorar. Levei no médico, garganta tava boa, não tinha nada. Quando eu fui trabalhar no terceiro dia, alguém me falou "criança pequena as vezes fica doente de vontade", e aí eu me toquei. O João queria algodão doce.
Ele seguia falando sem olhar pra mim diretamente e eu continuava ouvindo já sem chorar.
- Eu saí na minha hora do almoço e procurei algodão doce em todo lugar. Perguntei nas lojas, nos vizinhos, nas barraquinhas, fui até o centro lá na loja que a gente foi e não tinha mais. Contei pro cobrador do ônibus que tava procurando algodão doce pro meu filho, ele simpatizou e disse que me avisaria se visse um. Voltei a trabalhar, mas não era a mesma coisa. Sabia que meu filho podia estar doente porque eu não parei 5 minutos pra ele comer um doce.
Me compadeci, estava brava mas não sou de ferro. Olhei para ele.
- Quando já estava quase a noitinha, eu tava com muito peso na consciência mesmo sabe? O cobrador me ligou do orelhão na mesa do meu trabalho. Falou que tinha visto um vendedor e tava com ele me esperando. Eu corri para lá. Comprei os últimos dois pacotinhos e voei pra casa.
Quando cheguei o João estava dormindo, acordei ele rapidinho e mostrei o que tinha comprado.
Ele sorriu e pegou da minha mão. Dormiu abraçadinho com o algodão doce.
Ele sorriu e pegou da minha mão. Dormiu abraçadinho com o algodão doce.
Ele sorriu.
- De manhã tava todinho derretido e melecou a cama toda de açúcar.
Eu ri também.
Depois disso chegou a estação dele e ele foi embora.
Eu fiquei menos triste e nunca mais vi um vendedor de algodão doce sem lembrar do pai do João.
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Essa história aconteceu muitos anos atrás, mas em tempos tão difíceis, com tanta raiva, tanta dor, tanta falta de amor espalhada pelo mundo, faz bem fazer uma pausa e voltar o olhar para as pequenas gentilezas.
Eles são poucos, mas estão espalhados por aí prontos para fazer seu dia melhor.
Esses maravilhosos ninguéns.
Eles são poucos, mas estão espalhados por aí prontos para fazer seu dia melhor.
Esses maravilhosos ninguéns.
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