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O ACASO

Ela estava parada com a moeda na palma da mão de frente para fonte.
Não acreditava de fato que alguma coisa de bom pudesse acontecer pelo simples ato de arremessar uma moeda em uma fonte. Deu um passo à frente e inclinou-se para ver o fundo, as moedas refletiam os raios de sol num brilho metálico.
Era praticamente uma fortuna lá embaixo, pensou, quanto será que teria?
Seu pensamento foi interrompido pelo leve sobressalto de um espirro d’agua.  Lá se foi outra, o cara do lado arremessou sem pensar duas vezes. Invejou esse desprendimento, estava ali há pelo menos cinco minutos e a moeda não havia deixado sua palma por um segundo sequer.
‘Se eu jogar a minha, vou ter que esperar na fila até todos esses pedidos serem atendidos?’, foi uma dúvida que surgiu durante um segundo de deslize de sua inquebrável racionalidade. Estar ali por si só já demonstrava certo desespero, uma vez que ela jamais em outra situação qualquer da vida tinha se deixado levar para nada além do que pode ser minimamente comprovado pela ciência.  

Recuou para observar as pessoas ao redor, talvez com um pouquinho mais de tempo poderia convencer a si mesma que tudo não passava de uma idiotice. Imediatamente começou a analisar as mais diversas variáveis, mais homens ou mais mulheres arremessavam na fonte? (mulheres, até o momento), de costas para fonte ou de frente para fonte? (inconclusivo, perdeu a conta), olhos fechados ou abertos? (fechados), sorrindo? (a maioria). Se sentou mais afastada e em silêncio, a moeda já deixava sua mão suada, apertada por tanto tempo.
Olhou para os pés, para o céu, para o cachorro da senhora que se distraía lambendo o chão enquanto a dona, adivinha, arremessava duas moedas para o fundo. ‘Isso é permitido? Duas por vez? Não é insistência demais? Vai roubar a vez de alguém de ser atendido, egoísta. Não vão dar conta de atender. Quem é que atende esses pedidos afinal? Deus?’.

Olhou atentamente a figura no topo da fonte, não fazia a mais vaga ideia de quem fosse e não sabia ler a placa escrita em outra língua. Estava prestes a pedir algo para alguém que nem sabia quem era e que provavelmente estaria ocupada demais para lhe dar ouvidos. Ótimo. É idiotice completa. Levantou-se no ímpeto de ir embora.

Não conseguiu. Voltou para a estaca zero, parada de frente para a fonte. ‘Está quase anoitecendo e em breve vão olhar pra mim’. Não conseguia ir embora, mas também não conseguia dar um destino para aquele insignificante objeto na sua mão.

‘Por que é tão fácil para todo mundo simplesmente jogar a droga da moeda e pra mim não?’ Pensou agora franzindo a testa, com raiva. ‘Sou perfeitamente capaz de fazer o movimento de levantar o braço e jogar essa merda.’ Mas não o fez e estava a ponto de chorar.

Uma vez mais olhou ao redor, ‘O que elas tem que eu não tenho?’. Olhou mais atentamente, as pessoas em volta jogavam suas moedas na fonte e seguiam a vida - ela percebeu atônita - com esperança.

Era isso, esperança. Ainda que boba disfarçada em risadinhas e fotografias, era com uma mínima esperança que as pessoas saíam da fonte. Era disso que precisava.

‘Mas como é que se faz para ter esperança afinal? ’


Esticou o braço, fechou os olhos e jogou a moeda.





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